Christiane Angelotti
Todos os dias pego o transporte
público para ir ao trabalho. Gosto de observar o trajeto, as pessoas, as
histórias que passam à minha frente.
Os dias parecem iguais na rotina do cotidiano, mas nunca são. Infelizmente, nem todos percebem isso. Mas essa é uma das poucas vantagens de que posso me gabar: eu vejo. Talvez por sempre ter tido vontade de contar histórias, talvez por ser apenas a minha forma de existir. Observar, atravessar o óbvio, captar aquilo que não se impõe, mas sussurra.
Com o tempo, aprendi que observar é apreciar. E isso me alimenta. Outro dia, pela janela do ônibus, vi uma cena quase mágica que até então só compartilhei com uma pessoa. Uma senhora caminhava pela calçada quando se deparou com um galho florido que se curvava sobre a rua, como um arco natural carregado de flores amarelas. Ela olhou para cima, maravilhada, como se tivesse encontrado um portal para outro tempo, uma fresta de beleza pura. O instante foi breve, mas inteiro. Ela seguiu seu caminho, e eu segui o meu, levando comigo a imagem dela maravilhada – e a sensação de que, por um momento, o mundo inteiro fez silêncio para contemplar o mesmo que ela via. Isso é poesia.
No metrô, às vezes, me pego observando
os outros. A maioria está absorta em telas de celulares. Eu também ouço música
nos fones, mas meus olhos estão atentos. Faço contato visual, e, de repente,
encontro uma criança que também observa. Nossos olhares se cruzam, sorrimos
como se nos reconhecêssemos. Saber que não estou sozinha nesse instante presente
me conforta.
Penso no filme "Dias Perfeitos"(2023), de Wim Wenders. Na rotina meticulosa de Hirayama, nas manhãs repetidas, mas sempre únicas. No jeito como ele percebia a luz, as folhas, os sons do dia. O filme nos lembra que, se olharmos com atenção, a vida nos presenteia com pequenas maravilhas todos os dias. Mas quem tem tempo para perceber? Quem, no meio da pressa e do cansaço, se permite a pausa de um instante cheio de sentido?
O tempo, às vezes, é implacável. O
cansaço, o percurso longo, as obrigações que engolem as horas. Ainda assim,
resistimos. Nos vãos do dia, encaixamos o que nos nutre. E é isso que nos
mantém de pé. Porque não é o tempo que nos falta – é o que escolhemos fazer com
ele que nos define.
Tenho medo de deixar de perceber os
pequenos milagres: um instante de maravilhamento, um olhar silencioso que me
atravessa e me salva de um pensamento triste, a alegria espontânea dos jovens
entrando no vagão, um casal idoso que se apoia ao caminhar. Sempre reparo em
mãos dadas. Esse entrelaçar dos corpos que comunica: “eu estou aqui com você”.
Se eu estivesse imersa no celular,
teria perdido a senhora sob o galho florido. Teria perdido o sorriso da
criança. Teria perdido a cumplicidade de assistir a um filme ao lado de alguém
especial, sentindo que ali, naquele escuro de sala de cinema, há um universo
particular em que dois corações batem em sintonia. O apoio discreto na emoção
compartilhada, o encanto dividido, a presença silenciosa, mas cheia de
significado. Isso também é felicidade.
Queria que todos soubessem disso. Que
entendessem que o essencial nem sempre grita, às vezes sussurra. Que a amizade,
o amor, a beleza de um instante qualquer podem ser a energia que precisamos.
Que olhar para o lado e encontrar algo verdadeiro pode ser o que falta para que
o tempo, ainda que apertado, faça mais sentido.
Assim como aquela senhora sob as
flores, assim como Hirayama no seu silêncio, há sempre algo de extraordinário
no ordinário. Basta permitir que ele nos alcance.
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