Morávamos relativamente perto da
praia, mas não dava para ir a pé. Todo domingo, minha família pegava o carro
para passarmos o dia na praia. Levávamos garrafas d’água, trocas de roupa e
toalhas. O restante, meus pais providenciavam por lá. Naquele tempo, nosso maior
medo era nos perdermos uns dos outros. Entre brincadeiras e mergulhos, sem
perceber, caminhávamos para longe do nosso ponto de partida.
Entre um mergulho e outro, risos e
goles involuntários de água salgada, sempre espiávamos o guarda-sol para confirmar
se nossos pais ainda estavam ali. Uma vez, achei uma estrela-do-mar e,
encantada, arremessei-a de volta ao mar. Sentíamos fome, parávamos para comer e
logo voltávamos à água. Diziam que brincar depois de comer causava congestão,
mas como ficávamos no raso, nunca tivemos problema algum.
Na volta para casa, ao final da
tarde, sempre parávamos para tomar sorvete. Era praticamente nosso jantar de
domingo, tão cheios ficávamos de tanto sorvete. Houve uma época em que meu pai
nos levava a uma praia mais próxima, que chamávamos de “nossa praia”. Ela era
praticamente deserta e tomava toda a orla costeira do bairro até próximo ao
centro da cidade. Ele cismara que nos ensinaria a pescar. Comprou varas de
bambu, uma para cada um dos três filhos, anzóis e iscas. Não lembro do que eram
feitas as iscas, mas recordo da caixinha de plástico que ele carregava, cheia
de divisões e apetrechos que até hoje não sei para que serviam. Tínhamos que
arremessar o anzol o mais longe possível, mas éramos pequenos e mal conseguíamos
jogar um metro adiante. Assim, passávamos horas no raso, com as ondas quebrando
nos pés. Nunca pegamos um peixe sequer.
Mas víamos peixes. Muitos. Pequeninos, coloridos, de formas variadas. E cavalos-marinhos escondidos entre as rochas. Era uma beleza! Ficávamos ali, admirando, aprendendo o significado de contemplar. Meu irmão, certa vez, viu uma moreia. Por sorte eu não vi, teria ficado com medo. Nenhum aquário no mundo tem aquela beleza. Explorar tudo aquilo, descobrir vida em meio à natureza, livre, não encapsulada para turista ver, era um privilégio. Que privilégio!
Quem viveu isso sabe do que estou
falando. Voltávamos para casa depois do pôr do sol, que assistíamos encantados
e, ao mesmo tempo, com certa naturalidade, como quem sabe que o sol estaria ali
novamente no dia seguinte. Ansiávamos por outras tardes como aquelas. Não sei
quantas vezes repetimos esse “programa de pescaria”. Talvez não tenham sido
tantas, porque lembro das varas de bambu ainda novas, encostadas em um canto da
“quarto da bagunça”. Mas essas tardes ficaram gravadas em minha memória como
uma das lembranças mais doces da infância.
Anos depois, soube que construíram
grandes hotéis em nossa praia, transformando-a em um espaço praticamente
privativo para os hóspedes.
Meu pai costumava dizer que o banho
de mar lavava a alma. E para mim sempre foi assim. Mas, bem no fundo, talvez eu
saiba que o que busco mesmo é aquela sensação da infância: a alegria, as
descobertas, o deslumbramento. Pisar na areia pela primeira vez. Pescar sem
isca na beira da praia. Descobrir vida entre as rochas. E ver o pôr do sol com
olhos de criança, sem contar o tempo no relógio, com a certeza de que tudo
estaria sempre ali, para nós e por nós.
“A quem devo pedir que essa
felicidade se repita? Poderia senti-la novamente?”*
Ou foi apenas um presente que o tempo
levou para nunca mais devolver?
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*Trecho do texto Banhos de Mar,
publicado nos livros A Felicidade Clandestina (1971) e A Descoberta do Mundo (1984)
de Clarice Lispector
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