sábado, 14 de dezembro de 2024

Banho de mar

 

Christiane Angelotti

 

Quando me mudei para o Nordeste do Brasil, onde passei o fim da minha infância e toda a adolescência, meu primeiro banho de mar foi uma experiência transformadora. Lembro de pisar na areia fofa pela primeira vez e me maravilhar com sua textura, tão diferente da areia batida que eu conhecia. Meus pés afundavam naquele tapete claro e macio. Ao chegar à beira do mar, senti a água morna envolver meus pés — outra novidade deliciosa, já que estava acostumada à água gelada. Uma vertigem tomou conta de mim, como se o mundo ao meu redor dançasse em círculos. Minha avó dizia que era a energia do mar. Meus pais achavam que era besteira. Talvez fosse um misto de alegria e ansiedade. Afinal, sempre sonhei em conhecer aquele mar nordestino.

Para quem mora em uma cidade litorânea, o mar é mais do que uma paisagem. É lazer, trabalho, esporte. A vida acaba girando em torno dele. O comércio, o setor imobiliário, o turismo — todos tiram proveito do mar. Ele é onde todos querem estar.

Morávamos relativamente perto da praia, mas não dava para ir a pé. Todo domingo, minha família pegava o carro para passarmos o dia na praia. Levávamos garrafas d’água, trocas de roupa e toalhas. O restante, meus pais providenciavam por lá. Naquele tempo, nosso maior medo era nos perdermos uns dos outros. Entre brincadeiras e mergulhos, sem perceber, caminhávamos para longe do nosso ponto de partida.

Entre um mergulho e outro, risos e goles involuntários de água salgada, sempre espiávamos o guarda-sol para confirmar se nossos pais ainda estavam ali. Uma vez, achei uma estrela-do-mar e, encantada, arremessei-a de volta ao mar. Sentíamos fome, parávamos para comer e logo voltávamos à água. Diziam que brincar depois de comer causava congestão, mas como ficávamos no raso, nunca tivemos problema algum.

Na volta para casa, ao final da tarde, sempre parávamos para tomar sorvete. Era praticamente nosso jantar de domingo, tão cheios ficávamos de tanto sorvete. Houve uma época em que meu pai nos levava a uma praia mais próxima, que chamávamos de “nossa praia”. Ela era praticamente deserta e tomava toda a orla costeira do bairro até próximo ao centro da cidade. Ele cismara que nos ensinaria a pescar. Comprou varas de bambu, uma para cada um dos três filhos, anzóis e iscas. Não lembro do que eram feitas as iscas, mas recordo da caixinha de plástico que ele carregava, cheia de divisões e apetrechos que até hoje não sei para que serviam. Tínhamos que arremessar o anzol o mais longe possível, mas éramos pequenos e mal conseguíamos jogar um metro adiante. Assim, passávamos horas no raso, com as ondas quebrando nos pés. Nunca pegamos um peixe sequer.

 Mas víamos peixes. Muitos. Pequeninos, coloridos, de formas variadas. E cavalos-marinhos escondidos entre as rochas. Era uma beleza! Ficávamos ali, admirando, aprendendo o significado de contemplar. Meu irmão, certa vez, viu uma moreia. Por sorte eu não vi, teria ficado com medo. Nenhum aquário no mundo tem aquela beleza. Explorar tudo aquilo, descobrir vida em meio à natureza, livre, não encapsulada para turista ver, era um privilégio. Que privilégio!

Quem viveu isso sabe do que estou falando. Voltávamos para casa depois do pôr do sol, que assistíamos encantados e, ao mesmo tempo, com certa naturalidade, como quem sabe que o sol estaria ali novamente no dia seguinte. Ansiávamos por outras tardes como aquelas. Não sei quantas vezes repetimos esse “programa de pescaria”. Talvez não tenham sido tantas, porque lembro das varas de bambu ainda novas, encostadas em um canto da “quarto da bagunça”. Mas essas tardes ficaram gravadas em minha memória como uma das lembranças mais doces da infância.

Anos depois, soube que construíram grandes hotéis em nossa praia, transformando-a em um espaço praticamente privativo para os hóspedes.

Meu pai costumava dizer que o banho de mar lavava a alma. E para mim sempre foi assim. Mas, bem no fundo, talvez eu saiba que o que busco mesmo é aquela sensação da infância: a alegria, as descobertas, o deslumbramento. Pisar na areia pela primeira vez. Pescar sem isca na beira da praia. Descobrir vida entre as rochas. E ver o pôr do sol com olhos de criança, sem contar o tempo no relógio, com a certeza de que tudo estaria sempre ali, para nós e por nós.

“A quem devo pedir que essa felicidade se repita? Poderia senti-la novamente?”*

Ou foi apenas um presente que o tempo levou para nunca mais devolver?

 


 

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*Trecho do texto Banhos de Mar, publicado nos livros A Felicidade Clandestina (1971) e A Descoberta do Mundo (1984) de Clarice Lispector

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