Christiane Angelotti
“Este é o primeiro pôr do sol em muito tempo.”
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As palavras de Fatima Hassouna ecoam em minha mente enquanto olho pela janela. O céu se despede em tons de laranja e lilás, e percebo como cada fim de tarde carrega um significado único. Para mim, é um dos momentos mais encantadores do dia. Para outros, pode ser a primeira visão do céu em paz. Para alguns, talvez a última. Há quem veja o pôr do sol como um alívio depois de dias de escuridão — por causa da dor, da prisão, da doença, da guerra. Há quem nem o note. Mas há também aqueles que o observam como uma despedida. Como foi o caso de Fatima.
Fatima tinha apenas 25 anos. Com uma câmera na mão e coragem no olhar, ela se dedicava a revelar o cotidiano em Gaza – não como tragédia, mas como vida pulsante, apesar do cerco, dos escombros, do medo. Seu trabalho contava histórias de gente comum resistindo, amando, sonhando. Sua morte, num ataque israelense à própria casa, nos rouba não só uma vida, mas uma voz que enxergava beleza onde o mundo insistia em mostrar ruínas. Uma lente sensível demais para ser silenciada.
Enquanto o sol se põe, penso na importância de pessoas como Fatima — que não apenas sobrevivem, mas vivem intensamente. Elas dão sentido às próprias vidas e às dos outros, lutando por causas que transcendem suas existências. A liberdade, os direitos humanos, a dignidade — são bandeiras que levantam mesmo quando o mundo parece estar contra elas.
O conflito em Gaza é antigo, complexo, doloroso. Há sofrimento dos dois lados, mas há também desproporções brutais, injustiças históricas e vidas que se apagam sem alarde. Fatima não era o Hamas. Ela era palestina, mulher, fotojornalista. Registrava a vida como podia, como sabia: com beleza e coragem. Era uma entre muitos civis que pagam o preço de uma guerra que não escolheram.
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