sábado, 10 de maio de 2025

Redes, ruídos e silêncios

 Christiane Angelotti  



Recentemente, percebi que estar nas redes sociais não tem me feito tão bem quanto antes. Resolvi escrever sobre isso para refletir — e convidar você a refletir comigo. 

Em um mundo onde as redes sociais se tornaram vitrines de nossas vidas, somos constantemente bombardeados por imagens e histórias que, à primeira vista, parecem nos conectar. No entanto, ao mergulharmos nesse universo digital, nos deparamos com um paradoxo: quanto mais nos expomos, mais distantes nos sentimos. As interações que deveriam nos aproximar muitas vezes se transformam em diálogos rasos, onde o "curtir" substitui o "como você está?". E essa distância do outro também revela a distância que vamos nutrindo de nós mesmos, da nossa essência. 

Esta semana, assisti a uma live no Instagram. O assunto me interessava, e um dos convidados era um amigo querido. Mas algo me incomodou: os comentários estavam desativados. A contradição entre o uso de uma plataforma interativa e a supressão da interação me pareceu gritante. Mostrar sem ouvir, falar sem dialogar... tudo isso soa incoerente com a proposta da própria ferramenta. A impressão que fica é a de que o outro está ali apenas para assistir, não para participar — e isso empobrece qualquer troca. 

Uma pessoa próxima deletou todas as suas redes em um ato desesperado para recuperar a saúde mental. Entrei em crise também. Lembrei-me de Zygmunt Bauman, que, ao falar da modernidade líquida, nos alerta para a fragilidade das relações contemporâneas. Ele lembra que likes não são afeto. Em um mundo onde tudo é efêmero, as conexões se tornam superficiais, e a solidez das relações humanas se dissolve. As redes, que prometem proximidade, muitas vezes nos isolam em um mar de estímulos que dispersam, criando uma sensação de solidão em meio à constante conexão. 

A angústia nas redes nem sempre nasce da vaidade, mas da ausência. Não ser visto por quem nos é importante dói mais do que não ser curtido por estranhos. Quando nossa presença se perde no feed de quem amamos, algo se parte. Às vezes, não é desinteresse — é a lógica da máquina, que decide o que mostrar, e nem todo mundo tem o impulso de procurar ativamente quem ama. Mas para quem sente falta, isso vira ruído — um eco de ausência. Parece que estamos competindo por um olhar, quando tudo o que queríamos era ser lembrados naturalmente. 

A dor não está nas curtidas ou visualizações, mas em ser ignorado por quem é essencial. Publicamos um pedaço da alma, e a pessoa que amamos ignora — enquanto curte coisas de outros. O que dói não é o like em si, mas o simbolismo por trás dele: o lugar que ocupamos (ou deixamos de ocupar) na vida do outro. Nas redes, estamos em um palco invisível, competindo — sem querer — por atenção. E é cruel perceber que não somos prioridade nem no gesto mais simples. 

Estar solteira hoje e usar redes sociais é desenvolver um olhar atento aos padrões silenciosos que elas escancaram. É curioso como algumas pessoas parecem presentes só até a porta. Entram na nossa vida, compartilham conversas íntimas, trocam segredos — mas hesitam em apertar um simples botão que tornaria esse afeto visível ao mundo. Preferem curtir à distância o que é banal, a apoiar discretamente quem realmente admiram. Talvez porque curtir o que é profundo comprometa mais do que curtir o que é raso. 

Nesse mar de imagens que apelam ao desejo, conexões verdadeiras se tornam invisíveis. Fico pensando nos homens que curtem absolutamente tudo de certas mulheres — mesmo sem intimidade — como se quisessem ser vistos, desejados, notados. Um gesto aparentemente banal, mas que revela o tipo de vínculo que estão dispostos a oferecer: raso, vaidoso, validado por um like. Ao mesmo tempo, ignoram conteúdos de mulheres com quem têm trocas reais. 

Talvez o mais perigoso nas redes sociais seja a ilusão de presença. Um like não substitui cuidado, escuta, afeto. Às vezes, o que a gente não curte diz mais do que aquilo que curtem sem pensar. As redes funcionam como espelhos: revelam o quanto algumas relações são mais performance do que presença. E isso, quando sabemos ler, entrega o tipo de afeto que a pessoa consegue (ou não consegue) oferecer. O coração não entende filtro de relevância — ele quer presença. E quando não há, começa o ruído: o eco de uma ausência pequena que cresce dentro da gente.  

Eu tento fazer diferente. Sigo muitas pessoas — algumas por interesse profissional, outras por afinidade —, mas as que realmente importam são poucas. Com essas, interajo com tudo. Se postarem qualquer coisa, estarei lá, prestando atenção. Porque são importantes. Tento levar o afeto da vida real para o virtual, porque quero que saibam que gosto delas em todos os contextos.  

Nicholas Carr, em A Geração Superficial, critica o impacto das redes na cognição e na capacidade de concentração. A busca incessante por informações fragmentadas prejudica nossa leitura e pensamento profundo, tornando a profundidade uma raridade. A cada notificação, somos lembrados de que, por trás das telas, muitas conexões não existem fora dali. 

Isso me faz lembrar uma tentativa de detox que fiz há alguns meses. Senti como se tivesse deixado de existir. Nem mesmo meus melhores amigos notaram minha ausência. Quantas pessoas enfrentam depressão e tristeza profunda passando despercebidas no meio desse turbilhão de estímulos? Até que ponto o estado mental de um coletivo é responsabilidade de cada um de nós?  

Sherry Turkle, em Alone Together, investiga essa paradoxal sensação de solidão em um mundo hiperconectado. Apesar da constante conexão, as redes sociais podem debilitar os laços humanos e afetar a qualidade das relações. A felicidade idealizada que transborda dos feeds nos faz perguntar: estamos compartilhando nossa vida ou apenas exibindo uma versão editada de nós mesmos?  

George R.R. Martin, em entrevistas, critica a toxicidade das redes, onde a agressividade supera o debate construtivo. O que deveria ser suporte mútuo vira jogo de aparências. A exaustão de investir energia em relações que evaporam na tela é um fardo que muitos carregam silenciosamente.  

Eli Pariser, em O Filtro Invisível, explica como os algoritmos criam bolhas de informação, limitando nossas perspectivas. Isso reforça a superficialidade das interações e enfraquece nossa autonomia.  

Cito esses autores que conheço, mas certamente há muitos refletindo sobre o mesmo tema. Um dos males da atualidade é esse: o excesso de conexões, de informação, e a constante sensação de solidão. No mundo dos solteiros — do qual faço parte — isso se torna ainda mais cruel. Possíveis paqueras se perdem na concorrência de likes e chamadas de atenção. Imagine eu, que não posto fotos chamativas... devo perder espaço para mulheres que exibem seus corpos. Tudo virou vitrine.  

Além disso, acompanhar muitas pessoas e conteúdos gera uma sobrecarga emocional que pode levar à ansiedade e frustração. A pressão para estar sempre atualizada e engajada é avassaladora. A comparação com vidas idealizadas só agrava essa inquietação.  

Diante de tudo isso, como podemos aproveitar o que há de bom nas redes sem nos perder em sua superficialidade? Talvez a resposta esteja na moderação e na intenção. Que tal usar essas plataformas para cultivar conexões verdadeiras? Embora likes não sejam afeto, dar atenção genuína aos nossos próximos pode ser um caminho. As redes poderiam ser espaços de troca, mas muitas vezes viram vitrines, competição — e até uma sequência de vazios, onde cada um tenta chamar atenção pelo que lhe falta. E falta muito. Falta amor. Falta escuta, conversa, diálogo. Falta parar para dizer: "Estou aqui se você precisar." E poder contar com o outro. Falta o que mais buscamos — e que não está lá: atenção verdadeira.   

E há algo que nenhuma rede social nos entrega: a continuidade dos vínculos fora das telas. Alimentar um vínculo é mais do que reagir a uma publicação. É perceber quando alguém some. É procurar de volta. É lembrar sem motivo. É escolher permanecer. O algoritmo não faz isso. Quem faz é o coração. Somos nós que sabemos quem alimenta nossa vida. E quem faz falta de verdade quando se afasta.  

Podemos escolher ser mais seletivos com o que consumimos — e com quem interagimos. Em vez de nos deixarmos levar pelo imediatismo das curtidas, que tal investir tempo em conversas mais profundas, ainda que virtuais? Afinal, as redes sociais podem ser ferramentas poderosas. Mas cabe a nós decidir como usá-las. Que possamos transformar essas vitrines em espaços de conexão real — onde o que se compartilha vá além da superfície e toque, de fato, o coração.  

Ao final, a verdadeira riqueza das redes sociais não está na quantidade de interações — mas na qualidade delas. Que possamos lembrar disso, cada vez que abrirmos um aplicativo. 

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