segunda-feira, 21 de abril de 2025

A Felicidade Já Mora Aqui


Christiane Angelotti


"Felicidade se acha é em horinhas de descuido." Essa frase, que parece ter saído do coração de Guimarães Rosa no conto “Barra da Vaca", poderia ter sido escrita por todo aquele que já sentiu o tempo parar por um instante bom demais para ser planejado. 

Tenho passado por dias mais introspectivos e pensado muito sobre a felicidade. Não como quem persegue uma promessa distante, mas como quem recolhe conchas na beira do mar: uma a uma, olhando de perto, escolhendo pelas cores e formatos, não pelo tamanho. Percebo, cada vez mais, que ela aparece quando estou distraída, desarmada, inteira. 

Felicidade, para mim, é presença. É a presença de quem amo — ainda que já não esteja por perto fisicamente. É a presença de quem me escuta, ri comigo, compartilha reflexões, sonhos bobos e verdades grandes. É aquele momento, como o que vivi hoje, em que ofereci a uma mãe e seu filho tirar uma foto deles na praia e depois vi os dois sorrindo para a câmera como se aquilo fosse um tesouro. Porque é. Felicidade mora ali: no gesto simples, espontâneo, sem segundas intenções. 

Felicidade é uma conversa boa. É também uma risada dividida com um amigo de verdade. É o pôr do sol te dizendo que você ainda está aqui, viva, e por um segundo você acredita que sabe o porquê. Mas só por um segundo — depois passa. E tudo bem. 

É escutar uma música que atravessa. É olhar um quadro e sentir que alguém pintou uma cena que você está aprendendo a enxergar sob outra perspectiva. É ler um livro que diz o que você sente e não sabia expressar. É viajar pela criatividade dos outros e sentir que isso te resgata. É escrever. Quando escrevo, organizo meus pensamentos e emoções em palavras. Ao escrever, toco um lugar em mim que sorri em silêncio. 

Felicidade é sentir gratidão por termos amigos verdadeiros. Aqueles que, mesmo que não estejam mais no nosso dia a dia, continuam presentes de uma forma que não se apaga. Saber que há quem se importe de forma genuína e com quem podemos contar. 

Se eu peneirar tudo o que vivi até aqui, tudo o que me fez sorrir com sinceridade, aquele sorriso de dentro para fora, chego a uma certeza: felicidade tem amor envolvido. Sem amor, ela não aparece. Com amor, se manifesta — às vezes de mansinho, por instantes breves, mas deixa um eco que permanece. 

Às vezes, a busca por uma vida perfeita, com o roteiro bem escrito, nos impede de perceber o que está ao nosso redor. Queremos tanto que tudo se encaixe que nos esquecemos de olhar para o caos e o improviso da rotina — onde, na maioria das vezes, mora a verdadeira felicidade. A perfeição é uma mentira disfarçada, uma promessa que rouba a simplicidade do cotidiano. A alegria não vem do ‘mais’ ou do ‘melhor’, mas do que já está aqui, bem diante dos nossos olhos, esperando para ser visto. 

Felicidade nunca foi sobre quantidade. Não é a quantidade de dinheiro, de viagens, de coisas materiais que acumulamos, nem de pessoas ao nosso redor. Ela está na intensidade dos instantes vividos de verdade. Nas relações com entrega. No desapego daquilo que só nos traz peso. Verdade na presença. Verdade no afeto. Verdade no amor. 

Quando a felicidade aparece, mesmo que só por um momento, ela basta. E permanece em nós — como o cheiro do mar nas conchas que a gente guarda.  

 

 

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