domingo, 6 de abril de 2025

O Amor, o Farol e o Zênite

 Christiane Angelotti 

 

    Há dores que o corpo não consegue traduzir. Sabemos que é o cérebro quem orquestra as emoções, que sente, calcula e tenta entender. Mas há momentos em que o coração pesa, como se uma fisgada profunda nos lembrasse que o amor tem uma geografia própria, um território que a Ciência ainda não mapeou.  

Faz três anos que o Rodrigo partiu. Três anos de ausência física, mas sua presença nunca se apagou. Em muitos dias, sinto a força do que vivemos — um amor intenso, verdadeiro, que desafiou o tempo, as diferenças e até mesmo o fim. Um amor que me transformou de maneiras que eu nunca poderia imaginar.  

Tem gente que passa uma vida inteira sem saber o que é viver algo assim. Eu vivi. E fui presenteada por isso. Porque o amor, mesmo quando termina em morte, não termina. Ele vira outra coisa. Vira energia. Vira coragem. Vira bússola. 

Após a partida do Rodrigo, descobri uma vitalidade que desconhecia. Uma força que brotou de dentro de mim, como se o amor dele estivesse me sussurrando que a vida precisava seguir. Realizei coisas que nem sei como consegui. Fui mais forte do que jamais pensei ser.  

O amor que senti por ele me moldou. Foi um amor que costura a alma com paciência e entrega. Não há como amar alguém assim e não se descobrir amando a si mesma. Viver esse amor em sua plenitude me ensinou a amar de forma inteira. 

E talvez por isso, hoje, eu ainda amo. Não ele — não mais da mesma maneira. O amor que sinto por ele agora é diferente. É o amor de quem sabe que viveu uma história que nunca se apagará, e que, por isso, pode abrir espaço para outra. Diferente, mas igualmente possível e feliz.  

Não é fácil carregar tanto amor dentro do peito quando ele não tem mais um lugar para pousar. Após a partida do Rodrigo, o amor ficou flutuando, buscando um novo abrigo, uma nova pele. Eu temi que ele não encontrasse um lar. Mas, aos poucos, percebi: ele me encontrou. O amor encontrou em mim seu próprio refúgio.  

Porque é isso que sou. Uma mulher que ama. Que sabe amar, mesmo quando não é correspondida da maneira que gostaria. Que ama, mesmo com medo. Que ama — e ao amar — reconhece quando é hora de soltar as amarras. 

Recentemente, senti isso novamente. Um amor brotando, diferente, possível, mas também doloroso. Um amor que me fez rir, brincar, sentir a vida pulsar. Que despertou o melhor de mim — minha alegria, minha leveza e minha espontaneidade. Mas também um amor que me silenciou em certos momentos, que me deixou esperando em outros. Um amor com incertezas, com dúvidas e confusão. E então percebi: a disparidade entre nossas formas de amar era grande. E não dava mais para carregar tudo sozinha. Não consigo amar fracionado e com limites. 

Não culpo esse amor por não ter dado certo. Aqui, não há culpa, mas uma clareza serena: o amor, para ser morada, precisa ser acolhido, precisa de um chão firme para crescer. E esse chão, por mais que eu tenha regado, não era o mesmo sob os nossos pés.  

Algumas pessoas cruzam nossas vidas como quem cumpre um ritual breve e bonito — um susto bom, uma brisa que desorganiza o cabelo e a alma. Outras, no entanto, chegam para transformar. Não com estardalhaço, mas com uma presença silenciosa. Elas chegam, plantam o olhar e ficam, mesmo que, por fora, tudo ainda pareça provisório.  

Há amores que não se anunciam. Eles se revelam na transformação silenciosa que provocam. E é nesse instante que sabemos: é amor. Não pelo que se diz, mas pelo que se muda — por dentro e por fora.  

Não sou mais farol. Já fui, sim, por um tempo. O Rodrigo dizia isso: "Meu amor, meu farol". Ele dizia que depois que entrei na vida dele, iluminei o caminho que ele precisava seguir. E eu iluminei até a morte. Fui farol até o fim, com toda a dignidade e entrega que meu amor pôde oferecer. 

Mas hoje... hoje eu sou outra coisa. 

Outro dia ouvi uma frase e fui pega por ela de um jeito estranho: “você pode ser o zênite de alguém”. 

A palavra ficou reverberando. Fui atrás. 

Zênite é o ponto mais alto no céu, aquele que fica exatamente sobre a nossa cabeça. É onde o sol brilha com mais força. Onde tudo parece mais claro, mais vivo, mais pleno.  

E fiquei pensando que bonito seria ser isso na vida de alguém. Ser o ponto mais iluminado. O centro do verão. A linha mais íntima entre o céu e a Terra. 

A gente se esforça tanto para caber nas histórias alheias, tenta ser parte, ser apoio, ser colo. Mas e ser zênite? E se, em vez de sombra, a gente for luz? Se, em vez de espera, a gente for encontro?  

Demorei para entender isso em mim. Já fui amor sem ser amada. Já fui pausa quando queria ser começo. Já fui farol aceso em noite sem ninguém. Mas também já fui Zênite, acho. Talvez eu tenha sido Zênite dessa pessoa. Não sei ao certo — não posso saber. Senti algo acontecer, uma troca real, intensa, viva. Percebi mudanças, percebi reflexos. Pode ter sido amor, sim — do jeito dele, no tempo dele, da forma como ele soube viver. Ou talvez não. Talvez tenha sido só meu esse movimento. Só meu esse voo. 

Mas hoje entendo: ser Zênite não depende do outro. Depende de mim — da forma como eu amo, da entrega que sou capaz, da presença que ofereço. Ser Zênite é meu modo de existir no amor. É a minha revolução. 

Já fui farol. Agora, sou Zênite. 

E por amar assim, sei que ainda vou amar de novo. Não por carência. Não por falta. Mas porque amar é o que me move, o que me sustenta, o que me revela. 

Eu quero um parceiro, sim. Mas não preciso de alguém para ser amor. Porque eu sou. 

Essa é a descoberta. 

Esse é o voo. 

  

  

  

  

  

 

 

 

 

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