Christiane Angelotti
É importante
ressaltar que falo dos afetos de verdade, dos amores, das pessoas que nos são
importantes, com quem temos um vínculo genuíno, que fazem parte da nossa
essência. Eu, por exemplo, tenho menos de dez amigos verdadeiros.
Nos últimos tempos vivi algumas pequenas mortes — daquelas que não ganham rituais nem lágrimas públicas, mas que pesam no coração como o silêncio de uma amizade que já foi viva. São ausências que não se explicam, respostas que não chegam, conversas que murcham. São pessoas que desaparecem mesmo estando online, e a gente aprende, na marra, a parar de insistir.
Em tempos de
redes sociais, é fácil manter uma ilusão de presença. Um emoji aqui, um
“curtir” acolá. Mas afetos verdadeiros pedem mais que interações esporádicas —
pedem presença real, ainda que virtual. Pedem escuta, troca, disponibilidade.
Pedem escolha.
Tenho visto e
lido muito sobre essa necessidade compulsiva de estar conectado — o medo de
ficar de fora, conhecido pela sigla FOMO (Fear Of Missing Out). Essa
ansiedade nos faz querer adicionar gente, manter a timeline cheia, estar em vários
lugares ao mesmo tempo, numa busca incessante por pertencimento. Mas essa
sensação de conexão superficial pode nos fazer perder o foco do que realmente
importa.
E é disso que
se trata, no fundo: reciprocidade é escolha. Ninguém é obrigado a estar, mas
também não se pode fingir presença. Eu tenho escolhido estar. Às vezes até
demais. Envio mensagens, pergunto como a pessoa está, me importo. Quero
encontrar, fazer coisas juntas, participar da vida e que participem da minha
vida. Compartilhar. Porque amar é isso tudo também.
É fundamental
entender que existem pessoas que são mais importantes que outras em nossas
vidas — e isso é normal. Faz bem categorizar, reconhecer quem realmente importa
para podermos destacar e alimentar esses vínculos. Porque imagine só: se eu der
atenção a quem não é tão importante e negligenciar quem é essencial, trocarei
afeto por distração.
Amizade não
pode ser território de adivinhação. Amor, tampouco. Ninguém deveria implorar
por atenção, por conversa, por cuidado. A ausência de reciprocidade corrói o
afeto mais bonito, e aos poucos vamos desistindo de esperar. Não como vingança,
mas como forma de sobrevivência.
Tenho
aprendido a cultivar o que também me cultiva. A não colocar água onde não há
raiz. A reconhecer os gestos mínimos que sustentam a ponte entre dois mundos. E
a aceitar, com alguma serenidade, que nem todo mundo vai atravessar a vida
comigo até o fim.
Referências para reflexão
· Zygmunt
Bauman — Modernidade Líquida (Editora Zahar)
Bauman
discute como, na sociedade contemporânea, as relações humanas tornaram-se mais
frágeis e transitórias, como se fossem líquidas, exigindo constante
renegociação e atenção para que se mantenham.
·
Byung-Chul Han — A Sociedade do Cansaço (Editora
Vozes)
O
autor aborda a pressão e o esgotamento na vida moderna, causada pelo excesso de
estímulos, expectativas e a necessidade constante de desempenho, o que impacta
diretamente nossa capacidade de estabelecer vínculos profundos.
·
FOMO (Fear Of Missing Out)
Termo
da psicologia contemporânea que descreve a ansiedade relacionada ao medo de
perder eventos, experiências ou conexões importantes, levando a uma
hiperatividade social e virtual que pode prejudicar a qualidade das relações.
Adorei.
ResponderExcluirVivemos mesmo numa época de diluição: todos parecem presentes, mas estão distantes. É a falsa impressão que as redes passam. Na verdade elas estão aí para captar uma transparência distorcida do que realmente é o afeto real (Han sabe melhor do que eu). E não sei você, mas me sinto cada vez mais distante dos afetos reais. Fazer amigos se tornou algo automático, frio, corriqueiro. Quem de fato está conosco, vibrando pela vida? A palavra certa para o que sinto é "vazio". Quem sabe encontramos alguém disposto a trocar vida sem julgamentos?
"Tenho aprendido a cultivar também o que me cultiva". Essa frase, essa ideia, é linda, poética. Uma bela crônica.
Li do Han o "Sociedade da Transparência" e é muito interessante como ele coloca essa conectividade baseada na nudez absoluta, aquela que retira o véu do mistério. Todos precisam ser transparentes para se mostrarem ao mundo, mas isso pornografiliza a interação social e nos joga dentro das obviedades e superficialidades. Estamos nos tornando superficiais para nos relacionar, pois ninguém deseja mergulhar no abismo do outro. E com isso a solidão aumenta, a fome por coisas urgentes consome a sociedade, e cada vez mais preferimos conversar com robôs e algoritmos.
ResponderExcluirEu queria apenas o humano, pois como disse Maiakovski: "em mim a anatomia ficou louca, sou todo coração".
Muito pertinente.
ResponderExcluirVivenciamos tempos onde o individualismo tomou conta do social. Não temos mais reuniões de amigos, muito em função das obrigações profissionais e vamos exercendo esse modo do não contato, fazendo com que nosso eu interior se tornem cada vez mais só... Triste ...