Christiane Angelotti
Pensei nele esta semana, não por acaso. Porque eu também fui, por um tempo, uma espécie de Funes afetiva: lembrava de cada palavra, cada silêncio, cada microgesto. A lembrança excessiva me trouxe medo, julgamentos — e foi fechando, pouco a pouco, as portas do meu coração. Deixei de acreditar nas boas experiências que a vida poderia oferecer e, como consequência, perdi pessoas especiais. E, nesse processo, também me perdi de mim mesma. A memória virou um cativeiro, onde as emoções se repetiam sem espaço para a cura.
Esquecer é um ato de liberdade.
Não esquecer tudo, não apagar — mas permitir que o tempo edite. A saudade
também é uma forma de contar histórias, mas não precisa ser uma narrativa
literal. Pode ser uma versão mais leve, uma imagem turva — mas ainda assim
bonita.
É preciso esquecer o suficiente
para voltar a amar. O suficiente para não esperar que o novo repita o que já
foi. O suficiente para não doer mais quando alguém não fica. Amar é abrir
portas e janelas, permitindo que o novo entre sem o peso do passado.
Funes não podia pensar — e,
talvez por isso, também não podia sentir plenamente. Seus sentimentos estavam
atolados em um excesso de dados, sem espaço para fluírem. Sentir exige leveza.
Exige risco. Exige entrega. É comum vermos pessoas traumatizadas demais
alimentando as memórias ruins como quem ergue muralhas para se proteger. Mas,
no fundo, essas muralhas as impedem de sentir. De viver. De sonhar.
Porque viver sem amar — em qualquer esfera — é apenas existir. O amor é o que nos conecta, o que nos move, o que dá sentido até aos dias mais comuns. Amar não é esquecer o que doeu, mas permitir que o que cura também tenha espaço.
Funes não podia sonhar. E é por
isso que, quando a memória pesa demais, eu escolho dormir com as janelas
abertas. Para que o vento leve embora um pouco da lembrança — e me devolva o
espaço de imaginar de novo.
Porque amar é, antes de tudo, um
ato de liberdade.
E de coragem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário