sexta-feira, 4 de julho de 2025

Sobre a arte de não se encontrar

 Christiane Angelotti

 

 Dedico ao meu leitor beta, Márcio.
A observação é a alma de quem escreve e registra.

 

 

São Paulo escurece devagar.

Luzes se acendem antes que a noite chegue por completo, como quem tenta afastar o medo do escuro com pressa.

Nas sacadas dos prédios, ninguém se olha. Mas as janelas acesas piscam feito vagalumes urbanos.

Cada uma guarda uma história.

Cada uma esconde uma ausência. Uma tristeza.

 

Eu caminho pela cidade como quem escreve um diário invisível. Na minha mente.

Penso em como vivemos tão próximos — e tão desconectados.

Temos rede, wi-fi, aplicativos, emojis..., mas quase nunca um encontro que dure mais que uma distração.

A gente desliza o dedo, mas não toca.

Abre conversa, mas não escuta.

Troca selfies, mas não olha no olho.

Não enxergamos uns aos outros.

 

Eu não sei quem nos ensinou tanto medo.

Medo de nos entregarmos, medo de não sermos o suficiente, medo de sermos descobertos demais.

Medo de gostar.

Medo de amar.

Medo de ser o único que ficou.

Medo de sofrer. Medo de viver.

 

Por isso, a gente vira especialista em ficar só.

Em construir muros invisíveis que se parecem com liberdade.

Mas são só solidão envernizada.

 

E, mesmo assim, a gente segue tentando.

Marca cafés que nunca acontecem.

Promete encontros que escorrem pelo ralo da semana.

Ou aposta em encontros fugazes.

A gente gosta de prometer.

Cumprir exige presença, exige tempo, exige coragem.

E coragem anda cara.

 

É possível amar no meio disso tudo?

É possível ser bom amigo, ser abrigo, ser parceiro, ser real?

Eu não sei. Mas eu ainda acredito.

 

Debussy toca baixinho no meu ouvido enquanto escrevo.

E essa melodia me lembra que a beleza ainda mora nas pausas.

Nos silêncios que ninguém ouve, mas que dizem tanto.

Quem sabe um dia a gente aprenda a escutar?

 

Hoje, só deixo registrado mais um parágrafo do meu diário.

De uma paulistana que ainda sonha com vínculos verdadeiros.

E que, apesar da dureza do concreto,

ainda tem esperança de encontrar o outro —

não no aplicativo,

mas numa esquina qualquer da vida.

 

Escrevi essa crônica ouvindo música.
Então, sugiro que a leia ouvindo também:



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