segunda-feira, 3 de março de 2025

O que estamos deixando para trás?

 

Christiane Angelotti

 

  Quando eu era adolescente, conheci um garoto na escola que se tornou um dos meus melhores amigos. Tudo começou com uma paquera inocente. Ele era de outra sala e me seguia discretamente pelos corredores, buscando uma oportunidade de puxar conversa. Até que um dia, perguntou onde eu morava. Respondi apenas o nome da rua e, sem hesitar, ele disse que estaria lá naquela noite, em um determinado horário. Ainda hoje não sei como conseguiu, mas ele cumpriu a promessa. E assim, todas as noites, ele aparecia na minha casa, e ficávamos conversando na calçada, numa época em que isso era comum, um hábito simples e bonito.

Viramos melhores amigos, mas tivemos alguns períodos de afastamento. Meu pai era muito bravo, e eu temia namorar por causa disso. Apesar da pouca idade, sempre achei importante dizer a ele o que eu sentia e pensava, incluindo meus temores. Algum tempo depois, acabamos namorando por um curto período. Com o tempo, ele começou a se distanciar, passava semanas sem falar comigo, depois meses. Eu achava que estava tudo bem, mas não estava. Ele enfrentava uma crise de depressão e, no fim, acabou cometendo suicídio.

Fiquei devastada quando soube. Revivi nossas conversas, tentando entender o que poderia ter acontecido. Como eu poderia tê-lo ajudado? Como eu poderia tê-lo impedido? Algumas pessoas me culparam, como se o nosso rompimento tivesse sido a razão. Mas eu sabia que não era isso. Dias depois da sua morte, seu melhor amigo me entregou uma carta. Nela, ele dizia que eu era a pessoa mais bonita que ele havia conhecido. Que admirava como eu falava sobre meus sentimentos sem medo, como se eu tivesse saído de um livro ou de um filme. “Você não tem medo de viver”, ele escreveu. E essa frase nunca me deixou.

Lembrei dessa história recentemente porque percebi que essa minha característica, de me expressar com sinceridade, ainda persiste. Mas, ao mesmo tempo, notei o quanto isso tem se tornado raro.

Outro dia, observei que quase ninguém se olha nos olhos ao conversar. Será que desaprendemos isso? Sei que desvio o olhar quando estou nervosa ou distraída, mas percebo que esse comportamento se tornou o mais comum nas trocas atuais. As relações estão cada vez mais superficiais, mais automáticas, menos humanas. Estamos conectados o tempo todo, mas tão distantes. Quando foi que passamos a ter tanto medo de nos mostrar?

As relações, todas elas, quando verdadeiras, nos ensinam muito sobre nós mesmos e sobre os outros. Mas talvez seja esse o grande risco que estamos correndo: nos perder de nós mesmos. Deixar para trás a nossa essência, a nossa capacidade de sentir, de nos conectar, de dizer o que realmente importa.

Estamos em pleno feriado de Carnaval, e eu havia feito alguns planos. Mas um fato inesperado me fez desacelerar e me cuidar. No meu recolhimento, percebi que escrever faz parte do meu autocuidado, da minha cura. Compartilho isso porque não tenho medo de mudanças de planos, de encarar desafios, de me lançar ao desconhecido. "Não tenho medo de viver", mas me assusta a ideia de não entender o que sinto. De ficar confusa e perder as oportunidades que a vida me traz para reconhecer uma verdadeira amizade ou um amor. De não aprender algo que devo, permitindo que um sofrimento se repita. Mas, acima de tudo, tenho medo do que acontece quando não nos entendemos. Quando deixamos que a confusão nos impeça de ver o que realmente sentimos, de nomear nossos medos, de assumir nossas escolhas. Porque não é só sobre nós. Nossas incertezas não ficam presas dentro da gente—elas transbordam, alcançam os outros, criam silêncios onde deveriam existir palavras, distâncias onde poderia haver presença.

E, talvez, o pior medo de todos: perceber tarde demais que o que ficou sem ser dito era justamente o que poderia ter mudado tudo.

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