Christiane Angelotti
Viramos melhores amigos, mas tivemos alguns períodos de afastamento. Meu pai era muito bravo, e eu temia namorar por causa disso. Apesar da pouca idade, sempre achei importante dizer a ele o que eu sentia e pensava, incluindo meus temores. Algum tempo depois, acabamos namorando por um curto período. Com o tempo, ele começou a se distanciar, passava semanas sem falar comigo, depois meses. Eu achava que estava tudo bem, mas não estava. Ele enfrentava uma crise de depressão e, no fim, acabou cometendo suicídio.
Fiquei devastada quando soube. Revivi nossas conversas, tentando entender o que poderia ter acontecido. Como eu poderia tê-lo ajudado? Como eu poderia tê-lo impedido? Algumas pessoas me culparam, como se o nosso rompimento tivesse sido a razão. Mas eu sabia que não era isso. Dias depois da sua morte, seu melhor amigo me entregou uma carta. Nela, ele dizia que eu era a pessoa mais bonita que ele havia conhecido. Que admirava como eu falava sobre meus sentimentos sem medo, como se eu tivesse saído de um livro ou de um filme. “Você não tem medo de viver”, ele escreveu. E essa frase nunca me deixou.
Lembrei dessa história recentemente porque percebi que essa minha
característica, de me expressar com sinceridade, ainda persiste. Mas, ao mesmo
tempo, notei o quanto isso tem se tornado raro.
Outro dia, observei que quase ninguém se olha nos olhos ao conversar.
Será que desaprendemos isso? Sei que desvio o olhar quando estou nervosa ou
distraída, mas percebo que esse comportamento se tornou o mais comum nas trocas
atuais. As relações estão cada vez mais superficiais, mais automáticas, menos
humanas. Estamos conectados o tempo todo, mas tão distantes. Quando foi que
passamos a ter tanto medo de nos mostrar?
As relações, todas elas, quando verdadeiras, nos ensinam muito sobre
nós mesmos e sobre os outros. Mas talvez seja esse o grande risco que estamos
correndo: nos perder de nós mesmos. Deixar para trás a nossa essência, a nossa
capacidade de sentir, de nos conectar, de dizer o que realmente importa.
Estamos em pleno feriado de Carnaval, e eu havia feito alguns planos.
Mas um fato inesperado me fez desacelerar e me cuidar. No meu recolhimento,
percebi que escrever faz parte do meu autocuidado, da minha cura. Compartilho
isso porque não tenho medo de mudanças de planos, de encarar desafios, de me
lançar ao desconhecido. "Não tenho medo de viver", mas me assusta a
ideia de não entender o que sinto. De ficar confusa e perder as oportunidades
que a vida me traz para reconhecer uma verdadeira amizade ou um amor. De não
aprender algo que devo, permitindo que um sofrimento se repita. Mas, acima de
tudo, tenho medo do que acontece quando não nos entendemos. Quando deixamos que
a confusão nos impeça de ver o que realmente sentimos, de nomear nossos medos,
de assumir nossas escolhas. Porque não é só sobre nós. Nossas incertezas não
ficam presas dentro da gente—elas transbordam, alcançam os outros, criam
silêncios onde deveriam existir palavras, distâncias onde poderia haver
presença.
E, talvez, o pior medo de todos: perceber tarde demais que o que ficou
sem ser dito era justamente o que poderia ter mudado tudo.
Sempre haverá tempo para dizer...
ResponderExcluirSentimentos, um abraço, um olhos nos olhos. Viver os momentos, espantar nossos medos.
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